A FERRAMENTA DO
BEM
Marcus Vinícius de Azevedo
Braga
1- A
NECESSIDADE DE FAZER O BEM:
Uma das questões cruciais e que funciona como um
divisor de águas da Doutrina espírita em relação a outras religiões é a
necessidade de se praticar o bem para o desenvolvimento espiritual. As
palavras de Jesus (4), “Amarás ao teu
próximo como a ti mesmo” e o exposto na sua parábola do Bom Samaritano
tornam bem claro esta questão. Não nos basta ser bons e pertencer ao grupo A
ou B. É imperioso praticarmos o bem. A lei é de amor e o amor é que nos
elevará. Por isso, o espiritismo cristão deve estar vinculado a prática da
beneficência e este artigo buscará
elucidar algumas razões desse imperativo.
2- A
PERSPECTIVA INTERVENCIONISTA:
Ao contrário da
história religiosa da humanidade, repleta de isolamentos, reclusões,
clausuras e retiros espirituais, na busca de nos isolarmos do mundo (3),
inspirados nas temáticas do Filósofo Rosseau da Revolução Francesa, que
pregava o corrompimento do homem bom pelo mundo, a perspectiva espírita
enunciada por Kardec na sua máxima (4) “fora da caridade não há salvação”,
incita-nos ao contato com o mundo na busca de transformá-lo e averba que o mundo somente se
transformará quando transformarmos a nós mesmos. Ou seja, o espiritismo tem
esse caráter intervencionista nas questões que se apresentem diante do
cristão, combatendo a omissão e o isolamento, demonstrando que é na luta do
mundo que crescemos rumo a perfeição.
A reforma íntima é uma necessidade. Paradoxalmente, não
haverá reforma íntima sem contato com o nosso próximo, mais próximo ou não.
Como amar sem ter ação para o amor. Como perdoar sem ter objeto de
perdão.
3-
FAÇA VOCÊ MESMO:
Na década de oitenta nos deliciávamos com revistas que
nos ensinavam a fazer os pequenos reparos de nossa residência. Essa lógica
do “faça você mesmo” também se aplica a questão da prática do bem. Jesus já
asseverava (4) : “Vai tu e faze
o mesmo”, reforçando a necessidade da ação no bem ser realizada
pessoalmente. As pessoas que nos rodeiam são a nossa ferramenta de progresso
e não podemos olvidar que o nosso coração é um músculo poderoso, que precisa
ser exercitado no sentido físico e principalmente no sentido
espiritual.
Na prática do bem não cabe terceirização. Mandar
entregar na porta do centro espírita não tem o valor de se envolver na
entrega. A prática do bem deve
ser bilateral, ajudando a quem dá e permitindo a reflexão de quem recebe.
Esse é o princípio que rege o Bônus-Hora (6) descrito em Nosso Lar por
André Luís. Somente tem valor quando permite a reflexão e reforma de quem
praticou a ação. Caso contrário, instauraríamos um ranking de doações
volumosas que nos conduziriam a “salvação”, como na época das indulgências.
Recordemos a passagem do óbolo da viúva, onde valeu mais aos olhos de Jesus
aquela que tirou do seu próprio sustento. A matemática divina funciona
subjetivamente.
4-
OS MOVIMENTOS
SOCIAIS:
Outrossim, consideremos sempre que “movimentos
geram movimentos”. A nossa ação no bem sempre se alinhará com outras
iniciativas que em composição gerarão movimentos sociais em prol dos nossos
irmãos menos favorecidos. Nenhum benemérito fundador fez ou faz tudo sozinho
em qualquer obra assistencial.
Entretanto, constatamos também que a sociedade
influencia o espiritismo, por ser esse uma parcela dela. Na década de 70/80,
fruto de conjunturas políticas, as pessoas se engajavam em movimentos
sociais, onde existiam iniciativas diversas de preocupação com o coletivo,
no campo da assistência, do ambientalismo e da educação. Podemos citar os
grupos ambientais, o Projeto Rondon e os movimentos de Alfabetização de
adultos. No espiritismo, observamos o florescer de caravanas, campanhas e
iniciativas diversas no campo assistencial, onde as casas espíritas logo
buscavam atrelar a sua programação diversas atividades assistenciais com a
participação de seus freqüentadores.
Na década de 90, observamos o individualismo campear em
nossa sociedade, onde a tecnologia nos fez cada vez mais desiguais e
isolados e estabeleceu níveis de conforto e divisão social nunca antes
vistos. Hoje, o indivíduo pode pedir as suas compras pela internet, assistir ao filme no
shopping transitando pelas ruas sem sair de seu automóvel, vivendo sem
conviver, isolado no seu mundo e nas suas necessidades. No movimento
espírita, observamos a explosão dos romances, falando de uma esperança
passiva e a busca de um esoterismo voltado para previsões futurísticas e a
busca da paz por fórmulas e meios exteriores, sem contar a desenfreada busca
da cura do corpo.
5-
TERAPIAS E
AUTO-AJUDA:
Esses fatores geram uma tendência atual de terapizar-se
tudo, em um “psicologismo” que reduz a problemática da criatura humana a
solução por um simples diálogo como um passe de mágica. Os aspectos
psicológicos da criatura são fundamentais, mas não podemos nos esquecer das
questões do Coletivo. Essa preocupação com o indivíduo deságua em um
conceito que muitos se equivocam em classificar as nossas obras espíritas
que é a auto-ajuda.
Podemos compreender a auto-ajuda como aquela literatura
que expõe a felicidade como uma questão de disposição pessoal, de se sentir
bem, de acreditar e se programar mentalmente para isso. Infelizmente, uma
questão tão complexa aparece reduzida a uma questão da vontade momentânea
indivíduo.
6- A
FELICIDADE:
Isso ocorre pois o nosso conceito de felicidade está
difuso. A felicidade está associada a ter coisas, ter status, ter
reconhecimentos e direitos. Esquecemos que a vida é uma balança de direitos
e deveres. Não há felicidade egoística. Não há como ser feliz se o nosso
irmão está infeliz, se no mundo ainda há infelicidade. Por isso, Kardec
assevera que a felicidade na Terra é relativa (4). Confundimos hoje o nosso
conceito de felicidade,
ignorando que a felicidade está implícita no desejo de um mundo melhor. Um
mundo que será construído por nós e que seremos felizes nesse processo e não
se buscarmos diminuir tantos números do nosso manequim ou se não estamos nos
aceitando com o nariz que nós nascemos. A felicidade transcende tudo isso e
a sua conquista deve se fazer sem muletas.
7- O
PARADIGMA HOLÍSTICO:
Tomando o Paradigma Holístico do mundo (2), podemos ter
bem claro a importância da ferramenta do bem como caminho da nossa
felicidade. Segundo o livro “A canção da inteireza (2)”, o homem
inicialmente adotou um paradigma Teocêntrico, onde tudo se prendia a um
mundo sobrenatural onde a vida existiria em função deste. Inicialmente
subordinados as forças da natureza, passando para os deuses antropomórficos
até quando o conceito cristão de ressurreição subordinou de vez a vida na
terra a espera de outro mundo,
chegando ao seu auge na Idade média com as indulgências.
Com o renascentismo, quando Galileu tira a Terra do
Centro do Universo, o paradigma antropocêntrico começa a levar o centro das
questões para o homem, sendo este então a medida de tudo. Com os
iluministas, temos o racionalismo de Descartes, onde todo conhecimento vem da razão e o Empirismo de Locke
e Hume, onde todo conhecimento provém da experimentação, colocando a fonte
de saber sempre pelo viés humano, reforçando através de Newton que o
universo funciona como uma engrenagem determinista, gerando os modelos de
pensamento para a futura sociedade industrial que através das revoluções
tecnológicas se estabeleceu a vida que preza o “Ter” e o individualismo que
vivemos em pleno auge nos dias de hoje. Mais uma vez, como na negritude da
idade média, o homem se vê em uma encruzilhada temporal, tendo acesso aos
bens de forma desigual e se preocupando cada vez mais consigo e com as suas
necessidades enquanto o mundo padece da violência e do
desamor.
8- O
FOCO NO COLETIVO:
O paradigma Holístico propõe um novo foco. Nem no
homem, nem no mundo que virá. Ele propõe que o Universo é um todo dinâmico
que se relaciona. É um complexo sistema de relações e que o foco deve ser na
interdependência. Toda ação que realizamos ecoa no universo e reverbera
pelos outros elementos. A nossa relação é de Co-criadores, com o planeta e
com a vida, sendo também co-responsáveis , como cita Emmannuel em A Caminho
da luz (5):
“Mas é chegado o tempo
de um reajustamento de todos os valores humanos. Se as dolorosas expiações
coletivas preludiam a época dos últimos “ais” do Apocalipse, a
espiritualidade tem de penetrar as realizações do homem físico, conduzindo-as para o bem de toda a
humanidade (Grifo nosso) .”
Ou seja, o foco deve ser no bem de toda a humanidade,
inclusive dos animais, das plantas e dos minerais, habitantes de nosso
globo. O nosso desenvolvimento espiritual é uma responsabilidade individual
que somente tem sentido no coletivo. Esse deve ser o foco. O espiritismo
como doutrina libertadora e transformadora das consciências, para que
entendamos que a solução de nossos problemas está na solução dos problemas
do mundo e que os nossos grandes vultos, dentro da sua dimensão humana,
também tinham seus problemas e não se imobilizaram em uma postura passiva,
partindo para a Terapia da prática
do bem, ferramenta que cura os nossos males e de nossos semelhantes.
9-
AMAR A SI MESMO E
A DEUS ATRAVÉS DO PRÓXIMO:
Sabemos que
a auto-estima e o amor a si mesmo é uma condição fundamental, para
que não incorramos novamente em flagelações e autocomiserações de outras
épocas. Mas, faz-se mister amar a si mesmo e a Deus através do próximo,
dentro do enunciado evangélico (4) de que quando fazemos a um destes
pequeninos, é ao Mestre que fazemos.
A palavra Bem-estar não
existe no dicionário espírita-cristão associada ao próprio bem da pessoa,
pois metodologia nenhuma trará o nosso bem se não envolver o bem de nossos
irmãos. Como amar a si mesmo se não amamos o mundo, a natureza e os nossos
irmãos.
10- O TRABALHO NA CASA
ESPÍRITA:
Após falarmos da evolução histórica do planeta,
terminamos por nos defrontar com a nossa realidade diante da prática do bem.
O que temos feito? A casa espírita é a Oficina que deve viabilizar as
equipes que permitam aos freqüentadores a oportunidade de abraçar cada
irmão, pois “a disciplina antecede a espontaneidade (6)” e
se nos disciplinarmos para o bem no trabalho organizado, o nosso coração
romperá o gelo de nossa sociedade para que possamos estender seu amor aos
próximos mais próximos e a nós mesmos.
Cabe-nos a construção na juventude do hábito da prática
do bem desde cedo (1), para que tenhamos como objetivos que todos sejam em
um futuro trabalhadores e
colaboradores da casa espírita, doando-se nas frentes que são inúmeras.
Espíritas envolvidos e comprometidos com a causa da Casa espírita na
construção de um mundo melhor. Um sonho, talvez, uma utopia,
não.
11-
CONCLUSÃO:
A ferramenta da nossa evolução está bem claro nas
palavras do Espírito de Verdade (4):
“Espíritas, Amai-vos é o primeiro mandamento.
Instrui-vos é o segundo”
E como não cremos no amor como verbo
intransitivo, cabe-nos utilizar esta ferramenta no palco do mundo para o
nosso crescimento, na luta diária, onde realmente descobrimos quem somos e o
que necessitamos ainda aperfeiçoar.
Sem fórmulas mágicas...
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
:
(1) BRAGA, Marcus Vinícius de Azevedo. Alegria de
Servir, FEB, 2001.
(2) CARDOSO, Clodoaldo Meneguello- A canção da
inteireza- Uma visão holística da educação- Editora Summus - São Paulo-
1995
(3)
KARDEC, Allan. O livro dos
espíritos, FEB.
(4) KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o espiritismo,
FEB.
(5) XAVIER, F.C..A caminho da luz, pelo espírito
Emmanuel, FEB.
(6)
XAVIER, F.C.. Nosso Lar, pelo
espírito André Luís, FEB.
Com esta mensagem
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amor
para
você
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