O
MÉTODO DE KARDEC
J. Herculano
Pires no livro A Pedra e o Joio
Kardec nasceu no início do século XIX, numa fase de
aceleramento do processo cultural em nosso mundo. Formou-se na cultura do
século, sob a orientação de Pestalozzi, o mestre por excelência.
Especializou-se em Pedagogia, que podemos chamar de Ciência da Cultura, e
até aos cinquenta anos de idade exerceu intensas atividades pedagógicas,
tornando-se o sucessor de Pestalozzi na Europa. Não se fez padre nem pastor,
mas cientista e filósofo, na despretensão e na humildade de quem não
procurava elevadas posições, mas aprimorar os seus conhecimentos. Adquiriu
no estudo, nas atividades teóricas e na prática, o mais amplo conhecimento
dos problemas culturais do seu tempo.
Vivendo em Paris, considerada então como o cérebro do mundo,
impôs-se ao consenso geral como homem de elevada cultura, um intelectual por
excelência. Colocado num momento crucial da evolução terrena, viu e viveu o
drama cultural da época. E só aos 50 anos de idade, maduro e culto, deparou
com o problema nodal do tempo e procurou solucioná-lo em termos culturais.
Esse problema se resumia no seguinte: a cultura clássica, religiosa e
filosófica, desabava ao impacto do desenvolvimento das Ciências, sem a menor
capacidade para enfrentar o realismo científico e salvar os seus próprios
valores fundamentais.
Formado na tradição cultural do Século XVIII, herdeiro de Francis
Bacon, René Descartes e Rousseau, compreendeu claramente que o problema do
seu tempo repousava na questão do método. Os fenômenos espíritas se
verificavam com intensidade, como uma espécie de reação natural aos excessos
do empirismo, no bom sentido do termo, que era a aplicação do método
experimental a todo o conhecimento. A tradição espiritual rejeitava esses
excessos, mas não dispunha de armas para combatê-los. Kardec resolveu
aplicar o método experimental ao estudo dos fenômenos
espíritas.
Logo aos primeiros resultados verificou que o nó do problema estava
no seguinte: o método experimental se aplicava apenas à matéria,
excluindo-se o espírito que era considerado como imaterial e portanto
inverificável.
Mas se havia fenômenos espíritas era evidente
que o espírito, manifestando-se na matéria, tornava-se acessível à pesquisa.
Tudo dependia, pois, do método. Era necessário descobrir um método de
investigação experimental dos fenômenos espíritas. Era claro que esse método
não podia ser o mesmo aplicado à pesquisa dos fenômenos materiais,
considerados como os únicos naturais. Mas por que os únicos? Porque as
manifestações do espírito eram consideradas como sobrenaturais, regidas por
leis divinas.
Já Descartes, no Século XVII, lutando contra o dogmatismo
escolástico, mostrara a unidade de alma e corpo na manifestação do ser
humano e advertira contra o perigo de confusão entre esses dois elementos
constitutivos do homem. Kardec se sentia bem esteado na tradição
metodológica e conseguiu provar que os fenômenos espíritas eram tão naturais
como os fenômenos materiais. Ambos estavam na Natureza, espírito e matéria
correspondiam a força e matéria, os dois elementos fundamentais de tudo
quanto existe.
Daí sua conclusão, até hoje inabalada, e confirmada na época pelas
manifestações dos próprios Espíritos que o assistiam: a Ciência do Espírito
correspondia às exigências da época. Mas era necessário desenvolvê-la
segundo a orientação metodológica da Ciência da Matéria, pois essa
orientação provara a sua eficiência. A questão era simples: na investigação
dos problemas espirituais o método dedutivo teria de ser substituído pelo
método indutivo. Mas essa questão se tornava complexa porque a tradição
espiritualista, cristalizada nos dogmas das igrejas, repelia como herética e
profanadora a aplicação da pesquisa científica aos problemas
espirituais.
Kardec enfrentou a questão com extraordinária coragem. Enfrentou
sozinho, sem o apoio de nenhum poder terreno, todo o poderio religioso da
época. Teve então de colocar-se entre os fogos cruzados da Religião, da
Filosofia e da Ciência. Os teólogos o atacavam na defesa de seus dogmas, a
Filosofia o considerava um intruso e a Ciência o condenava como um
reativador de superstições que ela já havia praticamente destruído. A
vitória de Kardec definiu-se bem cedo. A Ciência Psíquica inglesa, a
Parapsicologia alemã e a Metapsíquica francesa nasceram da sua coragem e das
suas pesquisas. Mais de cem anos depois, Rhine e Mac Dougal fundariam nos
Estados Unidos a Parapsicologia moderna, seguindo a mesma orientação
metodológica de Kardec. E a sua vitória se confirmou plenamente em nossos
dias, quando as pesquisas parapsicológicas endossaram as conclusões de
Kardec e logo mais a própria Física e a Biologia fizeram o mesmo. A palavra
paranormal, criada por Fredrich Myers e hoje adotada na
Parapsicologia, substituiu em definitivo, no campo científico, a
classificação errônea de sobrenatural dada aos fenômenos
espirituais.
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O Espiritismo é ao
mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como
ciência, consiste nas relações que podem estabelecer com os Espíritos; como
filosofia, compreende todas as consequências morais que decorrem dessas
relações.
Podemos assim
defini-lo:
O Espiritismo é uma
ciência que trata da natureza, da origem e do destino dos Espíritos, e de
suas relações com o mundo corporal.
Allan Kardec, no
livro “O QUE É O ESPIRITISMO”,
(Preâmbulo).
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14. – Como meio de elaboração, o Espiritismo
procede exatamente da mesma forma que as ciências positivas, aplicando o
método experimental. Fatos novos se apresentam, que não podem ser explicados
pelas leis conhecidas; ele os observa, compara, analisa e, remontando dos
efeitos às causas, chega à lei que os rege; depois, deduz-lhes as
consequências e busca as aplicações úteis. Não estabeleceu nenhuma teoria
preconcebida; assim, não apresentou como hipóteses a existência e a
intervenção dos Espíritos, nem o perispírito, nem a reencarnação, nem
qualquer dos princípios da doutrina; concluiu pela existência dos Espíritos,
quando essa existência ressaltou evidente da observação dos fatos,
procedendo de igual maneira quanto aos outros princípios. Não foram os fatos
que vieram a posteriori confirmar a teoria: a teoria é que veio
subsequentemente explicar e resumir os fatos. É, pois, rigorosamente exato
dizer-se que o Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da
imaginação. As ciências só fizeram progressos importantes depois que seus
estudos se basearam sobre o método experimental; até então, acreditou-se que
esse método também só era aplicável à matéria, ao passo que o é também às
coisas metafísicas.
Allan Kardec, no
livro “A GÊNESE”, cap. I, item
14
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55. – Um último
caráter da revelação espírita, a ressaltar das condições mesmas em que ela
se produz, é que, apoiando-se em fatos, tem que ser, e não pode deixar de
ser, essencialmente progressiva, como todas as ciências de observação. Pela
sua substância, alia-se à Ciência que, sendo a exposição das leis da
Natureza, com relação a certa ordem de fatos, não pode ser contrária às leis
de Deus, autor daquelas leis. As descobertas que a Ciência realiza, longe de o rebaixarem,
glorificam a Deus; unicamente destroem o que os homens edificaram sobre as
falsas idéias que formaram de Deus.
O Espiritismo, pois,
não estabelece como princípio absoluto senão o que se acha evidentemente
demonstrado, ou o que ressalta logicamente da observação. Entendendo com
todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio das suas próprias
descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, de qualquer
ordem que sejam, desde que hajam assumido o estado de verdades práticas e
abandonado o domínio da utopia, sem o que ele se suicidaria. Deixando de ser
o que é, mentiria à sua origem e ao seu fim
providencial. Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será
ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro
acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade
nova se revelar, ele a aceitará.
Allan Kardec, no
livro “A GÊNESE”, cap. I, item
55.
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